quinta-feira, 9 de julho de 2009

Dama de Vermelho


Ela aparentava ter uns 35 anos, era loira, porém suas raízes mostravam que era artificial, assim como tudo naquela mulher.
Ela não tinha um nome, ela tinha vários. Seu corpo não era escultural, mas como dizem por aí também não era de se jogar fora. Ela vestia um vestido fente única de veludo vermelho que deixavam seus peitos quase à mostra, transparecendo toda a vulgaridade daquela mulher. Seus cabelos estavam desgrenhados, sua maquiagem borrada, ela era conhecida como A Dama de Vermelho da Lapa, mas alguns diziam que seu nome era Vanuza
Ela perambulava de bar em bar, todos os dias como uma tradição, tinha um sorriso sarcástico em seu rosto. Mas ela tinha um bar preferido, o Faisão Azul:
- Juvenal, serve aquela pinga gostosa que só você sabe me servir.
- É pra já!
(ela bebe a pinga, sem careta e sem cara feia)
- Movimento ta fraco hoje né?
- Ta chovendo, aí complica.
- Nem tinha reparado. Deve ser por que nem as gotas de chuva me incomodam mais.
- Bom, ta aqui o seu dinheiro Juvenal. Até amanhã.
Vanuza sai do Faisão Azul e vai até a Joaquim Silva como faz todos os dias, rebola, sorri e acena aos conhecidos. De repente sente uma mão forte e pesada lhe segurar o braço:
- Aonde pensas que vai madame?
- E desde quando lhe devo satisfações?
- Você vai ser minha hoje.
- Aprende uma coisa. Eu não sou de ninguém.
Ela desvencilha o braço da mão pegajosa daquele homem que ela não lembrava nem mesmo o nome, e de bar em bar, acenos, risadas ao pé do ouvido, ela se despede da Lapa como todos os dias.
Ela espera seu ônibus no ponto, olha o relógio e esbraveja sozinha. Seus ônibus só irá passar daqui há 35 minutos. Acende um cigarro, acende outro e outro,..., Um homem com cara de cansado e uma mala na mão pára o seu lado e pergunta se a linha 337 para naquele ponto de ônibus. Ela responde com um sorriso e diz que sim, desvia seu olhar pra mala e sem nenhum sinal de constrangimento pergunta:
- Vai viajar, ou foi expulso de casa?
- Eu era zelador de uma boate que foi vendida. Hoje foi o último dia. O pior é que eu morava lá
- E você ta indo pra aonde?
- Ainda não sei, acho que pra casa do meu irmão. Mas minha cunhada não gosta muito de mim, então sabe como é,...
(ele abaixa a cabeça)
- Se quiser pode ir pra minha casa.
- Desculpa senhora. Agradeço o convite, mas,...
- Ô de deus, se você não tem pra onde ir, vai pra lá. Amanhã você toma teu rumo.
- Agradeço senhora,...
O ônibus chega, ela e o homem que nem ela sabe o nome sentam no ônibus. Vanuza sem nenhuma classe tira os sapatos que estão matando seus pés e começa a massageá-los.
O homem pensa que tipo de mulher é ela, não é feia, mas também não é bonita, mas não é de família, por que moça de família não fica ás 4 da manhã parada num ponto de ônibus sozinha em plena Lapa vestida daquele jeito. Enfim,..., é uma moça de bom coração, lhe cedeu a casa dela. Não se sentia no direito de fazer juízo de valor daquela senhora.
Ela pediu pro motorista parar no próximo ponto. Eles desceram, e caminharam por uns 10 minutos na fria madrugada. Sua casa era numa ladeira íngrime, ela tirou os sapatos e subiu descalça mesmo. Abriu a porta, e ele pode sentir o cheiro de mofo misturado com perfume vagabundo que vinha daquele lugar, ela tinha uma gata cinza que ela carinhosamente pegou no colo. Era uma casa de um cômodo só, mas era tudo muito bagunçado.
- Onde posso colocar a minha mala?
- Em qualquer lugar.
- Vou fazer um cafezinho, você quer?
- Aceito sim. E a senhora fica despreocupada que assim que amanhecer eu vou tomar meu rumo.
- Fique tranqüilo, fique o tempo que precisar.
- Posso usar o banheiro?
- Claro.
O banheiro era fétido. Ele teve vontade de sair correndo dali. Ele se dirigiu a ela e perguntou:
- Você mora sozinha?
- Eu sou sozinha.
(ela levanta subitamente se dirige para o centro do cômodo, como quem se sente incomodado pela pergunta)
- Vou fazer uma cama ali no chão pra você. Você pode até tomar banho, mas aqui não tenho água quente, e essa hora da madrugada a água vira gelo
- Não precisa se incomodar.
Ela começa a fazer a cama, os lençóis fedem a mofo puro e a almofada esta cheia de pêlos da gata de estimação.
- Não perguntei seu nome. Qual seu nome?
- Francisco.
- Hum,..Deita Francisco. Descansa um pouco.
Francisco para não fazer desfeita, deita. Por varias vezes engole a ânsia de vômito que toma conta do seu ser. Vanuza vai ate o banheiro troca de roupa e coloca uma camisola velha e se deita também.
O dia amanhece e Francisco levanta. Vanuza já esta acordada fumando na janela.
- Bom dia Francisco. Dormiu bem?
- Dormi sim Sra. Muito obrigada por tudo.
- Toma um golinho de café, está fresquinho.
- Obrigado.
Ele termina o café, pega a sua mala, agradece a hospitalidade e a porta se fecha.
Vanuza fica ali sentada, pensando.
Francisco desde a ladeira pensando.
Ele não para de pensar, de tentar entender aquela mulher, ela parece mulher da vida mas não é! Que ela deve ter um passado sofrido, e que no fundo ela só deseja ser amada.
Ela fica imersa em seus pensamentos, e pensa que de tão doída pela vida, homens pra ela são válvula de escape, seja pra caridade ou pra pagar uma pinga para aquele que implora pela saidera.
Ela se esconde na Dama de Vermelho, uma personagem fictícia que ela criou para esconder a alma que sangra todos os dias de um amor mal resolvido.


(escrita por Bruna Lugarinho)


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